Coimbra: Julgamento da praxe na universidade
Aluno de Medicina ferido nos testículos
Um caloiro de Medicina de Coimbra foi ferido no escroto – bolsa que envolve os testículos – durante o julgamento da praxe da Universidade de Coimbra, quando vários doutores decidiram rapar-lhe os pêlos púbicos. O aluno do 1.º ano, de 19 anos, teve de receber assistência hospitalar e já apresentou queixa ao Conselho de Veteranos da universidade.
A praxe aconteceu no último dia 2 – dois dias antes do início da Queima das Fitas – na sede dos Fans, local reconhecido pelo Conselho de Veteranos para a realização do julgamento. Para ser praxado o aluno foi imobilizado por colegas mais velhos e alguns começaram a rapar-lhe os pêlos púbicos com uma lâmina de barbear. Dessa acção resultou o rompimento de parte do escroto do caloiro.
O estudante, que identificou os intervenientes na praxe, teve de receber assistência médica e pediu um relatório para provar a agressão. Mais tarde apresentou queixa ao Conselho de Veteranos da universidade.
Até agora desconhece-se se o ferimento foi causado por o caloiro ter oferecido resistência à praxe ou por qualquer outra razão propositada ou acidental. Seja como for, o caso é considerado “muito grave” pelo dux veteranorum da Universidade de Coimbra, João Luís Jesus, que confirmou a recepção da queixa e afirma estarem a decorrer diligências no sentido de apurar “como tudo se passou”.
“Estamos a analisar o caso. O importante é saber se foi um acto propositado ou um acidente”, refere João Luís Jesus, salientando que a praxe existe “para criar laços de união entre os estudantes e não para agredir as pessoas”.
O dux veteranorum adiantou que os agressores já estão identificados: “São estudantes de diversos anos do curso de Medicina”. Caso se confirme que houve violação do Código da Praxe, “estamos perante um caso muito grave que não passará impune no meio académico”, garante o líder dos veteranos, aconselhando o caloiro a queixar-se ao Ministério Público.
O Conselho de Veteranos vai reunir-se ainda esta semana para tomar uma posição definitiva sobre o caso – só tornado público agora para “não estragar” a festa da Queima das Fitas. João Luís Jesus afirma que não compactua “com estes exageros” e, a confirmar-se a versão do estudante de Medicina, “está-se perante um caso pontual, uma excepção e não a regra” na Academia de Coimbra.
O presidente da Associação Académica também condena “com veemência” as praxes violentas. Paulo Fernandes, embora desconhecendo o caso concreto, ficou “muito apreensivo” porque “a ser verdade” põe em causa “as regras estabelecidas”. “A praxe deve ser utilizada para integrar os novos estudantes e nunca para os sujeitar a agressões ou humilhações”, referiu Paulo Fernandes, prometendo “agir em conformidade”.
O estudante, que não quer ser identificado, escusa-se para já a prestar declarações sobre as circunstâncias em que aconteceu a praxe.
"É MAIS UM CASO GRAVE E ESCANDOLOSO"
O Movimento Anti-Tradição Académica (MATA) considera esta agressão “mais um caso grave e escandaloso” e mostra-se disponível para apoiar o estudante “naquilo que precisar”. Ana Feijão, membro do MATA, ficou “chocada” ao saber do sucedido e afirma que o caso vem confirmar “os abusos a que alguns caloiros são sujeitos”. O movimento é constituído por estudantes que são contra as praxes e a forma como elas estão institucionalizadas. “Não faz sentido que um grupo de pessoas – doutores – vá se lá saber porquê, aproveitem esta tradição para mostrar a sua superioridade em relação aos outros. É uma estupidez e escandaloso, não podemos compactuar com isso”, diz Ana Feijão, que aconselha todas as vítimas de “praxes impróprias” a apresentarem queixa às autoridades. A estudante refere que nos últimos dois anos não houve nenhuma queixa de praxes violentas, “mas não quer dizer que não tivessem acontecido”. “As vítimas têm receio de tornar públicas as agressões e humilhações a que são sujeitas”, conclui.
VIOLÊNCIA
CORDEL
Em Outubro de 2004, cinco caloiros do Instituto Superior de Engenharia de Coimbra foram obrigado a atar o pénis a um cordel, em alguns casos amarrado a um tijolo, e a beber água suja. Na altura o pai de um dos estudantes apresentou queixa à ministra do Ensino Superior.
ESTERCO
Em Outubro de 2002, uma aluna da Escola Superior Agrária de Santarém foi praxada com esterco de porco na cara. Os sete alunos envolvidos na praxe foram sujeitos a processos disciplinares.
SEXO
Em Setembro de 2002, uma aluna do Instituto Piaget, de Macedo de Cavaleiros, foi obrigada a simular um acto sexual e um orgasmo, esfregando-se num poste de energia eléctrica. A estudante ficou traumatizada.
SAIBA MAIS
- 30 mil estudantes, incluindo os dos institutos superiores, integram o cortejo dos Quartanistas, um dos pontos altos da Queima das Fitas de Coimbra.
- 23 mil alunos, distribuídos por oito faculdades, frequentam a Universidade de Coimbra, a maior do País e das mais antigas do Mundo.
JULGAMENTO
Nos últimos sete anos não terá sido apresentada ao Conselho de Veteranos da Universidade de Coimbra qualquer queixa devido ao julgamento da praxe.
COMPORTAMENTOS
No entanto, foram apresentadas, segundo o dux veteranorum, quatro ou cinco queixas devido a aspectos comportamentais durante a praxe.
EXCESSOS
As festas dos estudantes são conhecidas também pelo consumo excessivo álcool. Em Coimbra, só no desfile, beberam-se 46 mil litros de cerveja.
Correio da Manhã