Caminho das Estrelas: Paulo Furtado
Quando morrer, vou direitinho para o Inferno
Amado por uns, odiado por outros, Paulo Furtado tem um magnetismo que atrai o bizarro, e confessa que já lhe aconteceram coisas muito estranhas. Dois exemplos: num palco de Hollywood, uma miúda mais afoita mordeu-lhe os testículos; e quando tocava na festa de aniversário de Joey Ramone partiu a cabeça, não dando conta disso. “Tinha uns óculos vermelhos e pensava que era suor, mas na realidade tinha sangue a jorrar da cabeça”, conta, como se fosse o cenário mais natural do Mundo
Numa entrevista de vida, o guitarrista dos Wraygunn, que a solo é o ‘Legendary Tiger Man’, deixa ao léu a tatuagem num braço onde se lê a frase ‘Straight to Hell’, afirmando: “Pelos cânones da religião católica, irei, sem dúvidas, direitinho para o Inferno”.
Correio Êxito – Disseste-me que tens um magnetismo que atrai o bizarro. Como é que explicas isso?
Paulo Furtado – Acontecem-me muitas coisas bizarras. Aliás, acho a bizarria interessante e saudável.
– Lembras-te de uma miúda mais afoita te ter dado uma “trincadela suave” nos testículos enquanto tocavas?
– Lembro. Faz uns 12 anos. Foi num concerto que estávamos a dar no bar Relax, em Hollywood.
– O que é que sentiste?
– Senti a trincadela. Esse concerto com os Tédio Boys foi engraçado.
– E recordas-te de ter partido a cabeça numa festa de aniversário do Joey Ramone e não teres dado conta disso?
– Tinha uns óculos com lentes vermelhas e pensava que estava a suar porque quando olhava para as mãos era tudo branco por causa das lentes. Na realidade tinha um corte na cabeça e era sangue que escorria. Só quando o concerto acabou é que vi.
– Ninguém te avisou...
– Estavam a olhar com ar estranho, mas em Tédio Boys isso não era nada de demasiado estranho.
– Porquê essa tatuagem no braço que diz ‘Straight to Hell’?
– Porque a confirmar-se a existência de um Céu e de um Inferno, que eu tenho sérias dúvidas, pelos cânones da religião católica irei direitinho para o Inferno.
– A tua família acha que és meio louco, meio sensato?
– Afinal cheguei à conclusão que a minha família não me acha louco. Os meus pais sempre acreditaram que eu estava a construir alguma coisa com a música. Mesmo quando houve fortes dúvidas se realmente estava a perseguir um sonho vago, contei sempre com o voto de confiança e com a grande paciência deles.
– Por que é que pensavas que eles te achariam louco?
– Porque não era um adolescente banal e discreto, porque tive uma série de fases mais exuberantes, usei fatos de leopardo com 18 anos e outras coisas que não são muito normais. Acho piada a esse exotismo. Quando, há muitos anos, os Tédio Boys tocaram na Queima das Fitas de Coimbra vestidos apenas com frangos a taparem as partes íntimas, aquilo foi visto como uma grande provocação e escândalo. Lutar por um bocado de espaço para se poder fazer qualquer coisa implicava confronto.
– Numa cidade como Coimbra, que consideras entediante e ingrata, isso é complicado...
– Em Coimbra existem muitos artistas sem obra e muita gente que gosta de opinar sobre a obra dos outros sem seriedade; muita conversa de café e pouca reflexão. Nesta cidade quem tem alguma obra é um alvo fácil.
– É por isso que às vezes te transformas em jardineiro?!
– É verdade. E é muito relaxante.
– “Do meu registo criminal fazem parte infracções variadas de importância moderada”. Tipo o quê?
– Tipo isso que acabaste de ler.
– Consideras-te um tipo politicamente incorrecto?
– A minha frontalidade, que é a minha maior qualidade, em Portugal funciona como o meu maior defeito. Como povo temos aquela passividade de deixar passar as coisas. É mais fácil dar uma palmada nas costas do que confrontar as pessoas com uma opinião que seja contrária, porque depois tens que justificar. E justificar é mais complicado do que dar um sorriso falso.
– Na adolescência ias apanhar tabaco para a Suíça. Foi lá que ganhaste dinheiro para comprar a tua primeira guitarra... E foi lá que te viciaste em cigarros.
– Devia era ter ficado com alergia...
– Arrependeste de algo?
– Não sou de me arrepender, mas de tentar aprender com os erros. Nunca fiz nada de demasiado drástico. Quando era mais novo fiz muitas parvoíces, mas grave é quando se prejudicam pessoas ou se tomam atitudes que ponham os outros em causa.
– Que tipo de parvoíces fazias?
– Desde beber e guiar até
– Tiveste algum acidente?
– Tive.
– Grave?
– Poderia ter sido bastante grave.
– Tinhas bebido?
– Tinha, e foi claramente por causa disso que tive o acidente. Faz 12 anos que a minha vida poderia ter acabado. A minha e a de mais pessoas. Não querendo ser moralista e percebendo que aos 18 anos se pensa de outra maneira, acho que o Estado tem razão: não se deve beber e conduzir.
– Tens cicatrizes?
– Tenho, várias.
– Marcas de quê?
– Principalmente de escaramuças.
– Já bateste em alguém?
– Já me bateram muitas mais vezes do que eu bati em alguém.
– Como é que explicas isso?
– A vida em Coimbra não era fácil para quem não tinha um visual tradicional.
– Mandavam-te bocas e reagias?
– Claro. Isso faz parte do processo de crescimento e adaptação à sociedade.
– Que tipo de bocas?
– Todas e mais algumas as que tu queiras imaginar.
– Tinhas fama de seres violento.
– Quando és exposto à violência se calhar respondes com violência. Por vezes a minha existência acabava por depender do recurso à violência.
– Foste atacado com armas?
– Sim. Também. Às vezes. No início dos anos 90 foi a única altura em que Coimbra esteve viva. E estar viva tem o seu lado bom e mau, incluindo a violência gratuita.
– Entre grupos ou isolada?
– Uma coisa colectiva e individual. O café Moçambique era o centro de encontro de dealers, junkies, artistas, músicos, pintores, pensadores. Era um ambiente violento, único, que dava muita vontade de viver a quem tinha 19 anos como eu tinha na altura.
– Foste muitas vezes ao hospital?
– Algumas.
– Em muito mau estado?
– Nunca houve nada de demasiado grave. Problemas normais de quem andava à noite.
– Amas exactamente na mesma proporção que odeias?
– Já passei a fase em que odiava mais do que amava. Agora já não consigo odiar com a mesma profundidade.
– Há momentos em que também odeias as tuas músicas?
– Odiar, odiar não. Mas reconheço que houveram momentos de ódio e desencanto sobretudo em relação ao novo disco. Tive que fazer um esforço acima do que eu julgava que eram as minhas possibilidades. Esse ódio não era direccionado às músicas mas a este processo de crescimento em que se tem que dar mais do que nos julgamos capazes.
– Transitas facilmente de uma relação de amor para uma de ódio?
– Dou-te um exemplo. Tive uma relação muito complicada com este disco. Por alguma confusão e falta de comunicação acabei por, inesperadamente, ter ficado a produzi-lo. Durante a primeira fase de gravações e de feituras dos arranjos tive que assumir o desafio de forma que não foi aceite unânimemente. E isso trouxe mal-entendidos internos, tensão adicional.
– “Na nossa música há algo de perverso, de injusto e de assombroso.” Podes explicar?
– Arranjos mais estranhos e fantasmagóricos. Em algumas letras também há perversidade.
– “Os Wraygunn têm tensões”. Que tipo de tensões?
– As comuns a todas as actividades feitas por um colectivo. O modo como resolvemos essas tensões quando não conseguimos um acordo é votarmos. Na maior parte das vezes estabelece-se uma solução de compromisso.
– “Ainda há pouco tempo dissemos coisas uns aos outros que, em certas bandas, podiam significar garrafas na cabeça e pessoas atiradas ao mar.” Que coisas?
– Tivemos uma grande abertura de crítica. Dissemos às pessoas o que pensávamos do trabalho delas, o que está mal no trabalho delas, e onde é que devem melhorar. Sem qualquer tipo de filtro nem colocando a amizade em causa. Isso é algo muito complicado. Foi então que percebi que estávamos mais maduros e que a honestidade absoluta foi fundamental para termos chegado a este resultado.
– Com raiva mas sem violência?
– Com pouca raiva. Não se faz críticas com base na raiva mas na construção, pelo bem comum. Se fazes com raiva não estás a construir mas a destruir.
– Escreveram que “os Wraygunn são uma banda madura, com um discurso rico e fortemente personalizado ( ) Cada canção e cada concerto é um momento ímpar do rock n’roll deste novo milénio”. Isto não te intimida?
– Praticamente tudo já foi feito, o rock n’roll não é nenhuma novidade, nada do que estamos a fazer é uma revolução. É um modo de ir tentando dar passos em frente, com o ‘handicap’ de o fazermos em Portugal. São adjectivos que não sei se são merecidos. Só daqui a 20 anos é que vamos perceber.
– Costumas afirmar que “há muitas coisas que estão mal na música em Portugal”. O quê em concreto?
– Métodos viciados que não acontecem em muitos países. A começar pelas pessoas que trabalham nas editoras e estão sempre a tentar arranjar maneiras de inventar bandas. Por outro lado, existe uma rolha por não haver espaços para tocar ao vivo. Cada vez é mais difícil fazer música em Portugal.
– Que polémica existe em torno do ‘look karaoke’ do novo vídeo?
– Quando colocámos o vídeo no nosso blogue houve uns comentários, possivelmente de fãs do Sam the Kid, que tentavam relacioná-lo com os ‘Poetas do Karaoke’. Não há qualquer tipo de crítica e gosto bastante da música dele. Nunca exprimiria opinião sobre o que as pessoas devem ou não fazer, ou em que língua devem ou não cantar. Isso é uma questão de liberdade de criação. Por mim não há qualquer tipo de polémica ou de tentativa de confronto.
– És muito assediado?
– Sou moderadamente assediado.
– O que é que o casamento mudou na tua vida?
– Não mudou muita coisa. Já estava com essa pessoa há algum tempo.
– Por que é que não falas da tua vida pessoal?
– Não é uma porta que eu queira abrir. Quanto mais der e revelar da vida privada mais as pessoas vão querer saber. É uma pescadinha de rabo na boca que não me interessa.
– Para ti o paraíso vem na Bíblia ou na revista ‘Playboy’?
– Não sei. Pode-se tirar ensinamentos de ambos. Não sendo crente identifico uma série de passagens e pensamentos bíblicos que são interessantes para mim. Por outro lado, a ‘Playboy’ tem um coeficiente de interesse imediato. Ao nível dos conteúdos, a Bíblia não tem nada a ver com a ‘Playboy’, que acabou por fazer uma revolução social e comportamental durante anos.
"NO PALCO NÃO TEMOS DE PAGAR ÀS FINANÇAS"
– És um homem felino?!
– Em palco, talvez. Tudo isso tem a ver com a energia que ele traz, com a música e com o facto de gostar muito daquilo que faço.
– Sentes-te ‘tiger man’?!
– No palco ganha-se uma força que não há na vida real. Não temos que pagar às Finanças nem de tratar de coisas chatas tipo lavar a loiça.
– O palco é o nirvana na Terra?
– Claro que é. Às vezes as pessoas não percebem que o palco é uma libertação e que tu não és exactamente aquela pessoa. Tornas-te algo mais. Quando termina a actuação quase que te esvazias porque deixaste toda a tua energia e não tens mais nada para dar. Lidar com esse vazio é uma forma de ter mais palco. É um processo viciante.
– Reconheces-te em palco?
– O palco, por ser um turbilhão de emoções, acaba por dar azo a que aconteça um certo descontrole. Que acho saudável.
– O que já fizeste de mais radical?
– Parvoíces. Tipo saltar de cima de colunas com cinco metros ou trepar as estruturas dos palcos.
PERFIL
Paulo Furtado nasceu a 9 de Setembro de 1970, em Maputo (Moçambique). Aos dois anos foi para Coimbra, a sua “ingrata” cidade – pelo menos é assim que ele a classifica. Com 15 começou a tocar guitarra em grupos como os Ópio Papa e os Olha Olha Olha Tem Pirâmides Lá Dentro.
Em 1990 nasceram os Tédio Boys, com quem tocou dez anos. Depois podia ter sido guitarrista dos norte-americanos The Cramps, mas faltou à audição. Em 2000, quando a mais mítica das bandas de Coimbra acabou, Tigerman já subia ao palco sozinho, e os Wraygunn mostravam que tudo pode acontecer.
Tem feito bandas sonoras para teatro e para cinema num filme, ‘Tebas’, em que também participou como actor. Com os Wraygunn colectivamente mais intensos acabou de lançar ‘Shangri-La’, disco que a crítica especializada considera “extraordinário”.
Correio da Manhã
Paulo Furtado - Ex-Tédio Boys em entrevista
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Chong Li
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Miguel_Silva
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Epa... nao curti a entrevista, não diz nada de jeito, só respostas curtas a roçar um pouco um elitismo facil e falso e sempre com o entrevistado lá no poleiro e o entrevistador a bater palmas.
Eu gosto da musica deste gajo e acho que ele tem talento, como pessoa nao faço ideia mas a sua atitude como artista não me parece desonesta e até acredito que seja um gajo humilde. Mas.. sinceramente, esta entrevista não presta, basicamente diz que esteve no aniversario do joe ramone, que lhe morderam os colhoes, que era um gajo fixe porque andava à porrada.
Perdoe-me a honestidade o entrevistador, esta entrevista vale zero na minha opiniao.
Eu gosto da musica deste gajo e acho que ele tem talento, como pessoa nao faço ideia mas a sua atitude como artista não me parece desonesta e até acredito que seja um gajo humilde. Mas.. sinceramente, esta entrevista não presta, basicamente diz que esteve no aniversario do joe ramone, que lhe morderam os colhoes, que era um gajo fixe porque andava à porrada.
Perdoe-me a honestidade o entrevistador, esta entrevista vale zero na minha opiniao.
