Da Sé Nova à Baixa num minuto
1,01 minutos foi o tempo que Emanuel Pombo demorou entre a Sé Nova e a Praça do Comércio. “Voando” na sua bicicleta, conquistou o primeiro lugar do II Downhill Urbano de Coimbra. Com 216 inscritos, a prova reuniu os melhores do país
Depois do Four Cross nas Escadas Monumentais na noite de sábado, teve ontem lugar o 2.º Downhill Urbano promovido pelo Departamento de Desporto Juventude e Lazer da Câmara Municipal, em colaboração com a LiderBike Coimbra. Num percurso entre o Largo da Sé Nova a Praça do Comércio, mais de duas centenas de “pilotos” – como se designam - fizeram voar as suas bicicletas, perante o espanto de alguma assistência e as palmas e o entusiasmo de familiares e amigos mais habituados a acompanhar estas andanças.
Emanuel Pombo foi ontem o grande vencedor, com um recorde de pista, apenas 1,01 minutos de prova. Em segundo lugar ficou Hélder Padilha, José Borges em terceiro e Paulo Domingos em quarto, todos com diferenças mínimas. Na competição das raparigas, venceu a actual campeã nacional Áurea Agostinho - que já ganhara nas Monumentais -, com uma prova de 1,12 minutos. Seguiram-se, no podium, Carina Padilha e Ana Martins.
De acordo com Francisco Casaca, da LiderBike, este ano foram 216 os concorrentes, menos do que no ano passado, porém «a qualidade dos participantes aumentou bastante». De Chaves a Faro e aos Açores, «os melhores estão cá todos», dizia o responsável da organização, confirmando que são cada vez mais os apaixonados por esta modalidade. Às provas apresentam-se com as suas equipas ou a título individual, mas estes últimos vieram em menor número – os que participaram são da zona de Coimbra – o que se explica pelos custos já assinaláveis associados à prática desportiva. Francisco Casaca diz que é aberta uma classe em que todos se podem inscrever, com o objectivo principal de promover o “downhill” e aumentar o número de “adeptos”.
Para chegar ao vencedor, o grupo teve de fazer duas vezes o percurso entre a Alta e a Baixa de Coimbra. Humberto Almeida, do Departamento de Desporto da autarquia, lembrava que, ao contrário do que aconteceu na primeira edição, este ano a prova passava pelas Escadas do Quebra Costas, um ex-libris da cidade. Antes, os participantes teriam de descer outras escadas, junto à Sé Nova, dar um salto de três metros de altura e seis de comprimento – “um drop” como classifica a gíria da modalidade -, dobrar curvas e equilibrar a bicicleta por debaixo do Arco de Almeida, acelerar na Ferreira Borges para, finalmente, descer as Escadas de S. Tiago. Algumas quedas marcaram o rápido trajecto – duas mais aparatosas, no Arco da Almedina e na chegada à Praça do Comércio – mas nada que fizesse desarmar os corajosos de todas as idades, dos 14 anos aos 40 e muitos anos.
Pela adrenalina
Não é o mesmo que dar um confortável passeio de bicicleta, nem mesmo se aproxima de uma corrida – «isto não é ciclismo», esclareciam-nos logo à chegada -, digamos que pode ser um bocadinho mais perigoso. «São uns loucos, isto é mesmo só para malucos», dizia a mãe de um dos participantes, sempre aflita a observar a curva ao cima das escadas, não viesse lá o seu filho. Délio Matos, 21 anos, corre por sua conta e risco, não tem equipa, e começou a inscrever-se nas provas da região há um ano e meio. «É pela adrenalina», diz. E também pelos resultados, é com satisfação que vê os tempos cada vez mais reduzidos, numa luta para se superar a si próprio. Os treinos, irregulares, são feitos essencialmente em pistas na serra – «a Lousã tem condições magníficas», dir-nos-ia outro atleta» -, o “downhill” puro. Para o “downhill urbano” arrisca-se, à noite, pelas ruas da cidade.
Vício de família
Tiago Amado, de 25 anos, é já mais experiente nestas andanças. No ano passado fez o campeonato nacional, mas a falta de patrocínios fê-lo desistir das provas oficiais deste ano. É que a “brincadeira” ainda fica cara. Uma bicicleta média custa à volta de cinco mil euros – «podemos fazer com uma mais barata, mas é arriscado», ou ainda mais arriscado, diríamos nós –; «o equipamento (roupa, protecções, capacete, etc.) nunca fica em menos de 300 ou 400 euros»; depois ainda há que pagar inscrições nas provas – ontem, os não federados, pagavam 20 euros –, as deslocações e a alimentação. «Sem patrocínios é muito difícil, gasta-se muito dinheiro», dizia. Depois, conseguir levar os prémios para casa não é para todos.
Quando há uma equipa por trás, é mais fácil, não só pelo financiamento, mas também pela organização. Hélder, Ivo e Carina Padilha são irmãos e participaram na prova de ontem patrocinados pela Moto Vedras NB Auto e Construções Bandeira. É com estes apoios que se deslocam às competições pelo país fora, mais de 20 por ano.
Se já há muito que existem praticantes de downhill, foi com a série juvenil “Morangos com Açúcar” que a modalidade foi mais mediatizada, em especial no que se refere ao downhill urbano. Isso mesmo reconhecem os atletas, que foi mais uma das muitas modas que a telenovela criou entre os jovens.
Não foi por moda mas por «tradição familiar» que Carina Padilha, de 24 anos, começou a fazer downhill. «Toda a gente lá em casa fazia, os meus três irmãos mais velhos [um terceiro não participou na prova de ontem, ficando-se pela assistência] passaram-me o gosto».
No Four Cross nas Escadas Monumentais foram apenas cinco as raparigas a dizer “presente” e ontem apenas chegaram à dezena, em mais de 200 inscritos. Carina esteve nas duas provas. «Infelizmente há poucas mulheres, talvez porque seja um desporto violento e arriscado, porque é também bastante dispendioso». Ou porque as raparigas «gostam de usar roupas mais justinhas», os fatos de ginástica ou as saiazinhas do ténis, e não querem ficar esfoladas e «com nódoas negras». Carina, que viria pouco depois a conquistar o segundo lugar da prova feminina, inclinava-se mais para esta segunda explicação.
Eventos que promovem a cidade
O vereador do Desporto não tem dúvidas que Coimbra se afirmará no panorama nacional de downhill urbano. «Lisboa começou primeiro, mas também temos muito boas condições para a prática da modalidade». Luís Providência lembra que eventos desportivos como este, «de grande qualidade e dimensão», também contribuem para a promoção da cidade. O site Youtube teve no passado dezenas de vídeos sobre o downhill, lembrou.
Ausente de Coimbra, o vereador apenas acompanhou a prova nocturna nas Escadas Monumentais, mas avaliando as informações da organização no local, fazia um balanço positivo da iniciativa. «A participação foi muito boa, penso que foi novamente uma aposta ganha e conquistaremos o nosso espaço a nível nacional».
Para evitar as quedas graves registadas no ano passado, este ano as Escadas Monumentais só puderam ser descidas por atletas federados – por isso a prova apenas teve 37 participantes -, ficando a prova de ontem aberta a todos. Outras mudanças em relação à primeira edição tiveram a ver com o fim do percurso na Praça do Comércio, local onde existe mais espaço para as equipas instalarem o seu material.
Luís Providência congratulou-se também com o facto de ter aumentado a adesão de “pilotos” de Coimbra e da região, já que tal mostra o entusiasmo que a modalidade vai reunindo.
Quem corre por gosto…
também se aleija
É para «descomprimir do stress da semana» que Tiago Amado pega na bicicleta. A adrenalina fará esquecer os riscos, e também as quedas, as lesões, as dores. Só assim se compreende que continue. Depois de ter partido por três vezes a clavícula, um dedo do pé e depois de um “traumatismo com desalojamento renal”, a somar a incontáveis arranhões e nódoas negras.
Também Carina Padilha recorda alguns episódios mais dolorosos do downhill. Uma «inversão posterior do cotovelo esquerdo» - dito assim nem parece que foi um cotovelo deslocado -, valeu-lhe seis me-
ses de descanso, pelo menos no que se refere a aventuras de bicicleta.
No que se refere a “acidentes” de percurso, o balanço de ontem acabou por ser positivo. Segundo Humberto Almeida, da organização, das várias quedas, apenas uma obrigou o participante a ir para o hospital, «um jovem que caiu no Arco de Almedina». O actual campeão nacional, Cláudio Loureiro, – que venceu a descida das Monumentais – andava ontem de braço ao peito e não participou na prova, mas, fundamentalmente, «por precaução, já que vai participar no Downhill de Lisboa, já no sábado», acrescentou.