Enviado: domingo, 07 março 2010 20:00
Já agora, uma notícias nas Beiras sobre o Luís Costa....
Duas décadas a caricaturar estudantes
Luís Costa acorda deprimido. “Que diabo! Tenho que me consciencializar que foram apenas objectos pessoais. Se partisse uma mão era bem pior”, reconhece.
Na noite anterior, quando regressava de um espectáculo de ópera no Teatro de S. Carlos, foi assaltado no comboio. “Levaram-me a pasta de viagem. Um prejuízo de mais de dois mil euros. Não preguei olho a noite toda”.
Olhou para o assaltante duas vezes. “Não sou bom fisionomista”. Mesmo assim, lançou-se de imediato a desenhar um retrato-robô, que entregou na PSP de Coimbra. Diz que não lhe valeu de muito. “Não me lembro do nariz, dos olhos. Não tenho memória fotográfica”, diz.
Padrão cultural
A dificuldade de retratar um desconhecido não deixa de ser contraditória: Luís Costa é o mais requisitado caricaturista de Coimbra. “As pessoas ficam surpreendidas com os pormenores que eu capto. Dizem-me que eu reparo em tudo. Mas não é bem assim: limito-me a passar para o papel o rosto que vejo, destacando um pormenor que “foge” a um padrão cultural. As caricaturas são uma fuga a esse padrão”, adianta.
Geologia ficou para trás
No ateliê que criou em casa, Luís Costa prepara-se para receber um grupo de alunos de Engenharia Informática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. A música clássica, que ecoa da rádio, enche o espaço onde guarda 1.430 filmes originais, livros de banda desenhada e memórias das suas viagens.
É ali que passa grande parte do seu tempo, de Novembro a Maio, trabalhando das 14H00 até altas horas da madrugada. Depois da festa, dedica-se à concepção de material didáctico para museus.
Com 47 anos e natural da ilha Terceira (Açores), fez a primeira caricatura a pedido de um amigo quando tinha 18 anos. Foi quanto bastou. No ano seguinte, quando chegou à faculdade, os colegas de curso lançaram-lhe o mesmo desafio. Nunca mais parou.
“Nesse ano tinha falecido o grande caricaturista de Coimbra – o Kim Reis. O mercado ficou em aberto”, recorda. No entanto, nessa época havia outros artistas de renome: “a Mimi, o Orlando [Noronha] – que era muito bom – e o Eduardo [Esteves]”.
Anos antes, Luís Costa tinha entrado para o curso de Geologia. Nunca terminou o curso. “Todas as cadeiras que me faltam são do segundo semestre ou anuais”, afirma.
“Sou mesmo assim?”
São 15H02. Os estudantes de Informática chegam. Estão ansiosos. Pedro Lopes Gonçalves é primeiro a sentar-se na cadeira para ser caricaturado. Tem 21 anos. “Nasceu quando eu comecei a caricaturar”, graceja Luís Costa, com um audível sorriso.
Em poucos minutos e alguns esboços, a tarefa está cumprida. Primeiro, mostra o trabalho aos restantes do grupo. Só depois ao estudante. “O próprio não tem noção do que é. Geralmente ficam surpreendidos e perguntam: “eu sou mesmo assim”?”.
Os colegas riem. Pedro Gonçalves lança o primeiro olhar sobre o retrato. Solta uma gargalhada. “Este faz parte dos 20 por cento que não ficam surpreendidos”, diz Luís Costa, divertido.
A música clássica continua a passar na Antena 2. Luís já esqueceu o terror que viveu na noite anterior. Lança mais uma risada. Não é preciso perguntar se gosta do que faz. É feliz. Como os rostos que desenha.
Caricatura
Alguns nomes maiores
Paulo Marques
paulo.marques@asbeiras.pt
A caricatura de estudante, praticamente confinada às plaquettes da Queima das Fitas ou aos livros de curso, teve sempre cultores de topo. O expoente máximo foi, obviamente, Tóssan, em meados do século passado. De seu nome António Fernando dos Santos, foi também pintor, ilustrador, decorador e gráfico. Em Coimbra, enquanto estudante, integrou o Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC), desde 1947, onde foi cenógrafo e caracterizador.
Mais tarde, Kim Reis e, em escala bem menor, Rui Madeira tomaram conta do mercado. O primeiro, grande dominador do “mercado”, atravessou o período crítico da suspensão das tradições e ainda “entrou” na década de 1980. Mas o seu inesperado falecimento “abriu portas” a novos (e menos novos) talentos. Destes, o mais notório foi um açoriano introvertido, Orlando Noronha, de seu nome, estudante de Direito e dado a noitadas académicas que fizeram história. Noutro plano, reapareceu um antigo cultor local da caricatura e agora radicado em Leiria, Zé Oliveira. Com Orlando, entretanto, ganharam espaço outro açoriano e futuro “açambarcador” do trabalho de caricaturar estudantes, Luís Costa, e um artista beirão, Quim Paixão. Mais jovem e também na órbita das artes gráficas que envolvem a Queima, despontou Eduardo Esteves, futuro farmacêutico, mas que haveria de profissionalizar-se na área. Aliás, seriam estes dois últimos os grandes dinamizadores, em 1992, do saudoso Encontrão, encontro de caricaturistas de ontem e de hoje da academia de Coimbra.
As Beiras - 06 Março 2010