Enviado: sexta-feira, 08 abril 2005 14:56
Até respeito a Democrática, por um lado têm razão, mas... estou farto de não fazerem nada em Coimbra por isto e por aquilo. Lembra-me quando construiram o CoimbraShopping e vieram os comerciantes criticar por isto e aquilo atrofiando o comércio conimbricense durante anos a fio e sem oferecerem um serviço por aí além.Em defesa de uma casa com quase 130 anos
Com teatro e música de Coimbra se disse ontem “não” a qualquer possibilidade de destruir A Democrática para a passagem do eléctrico rápido. Para os sócios-gerentes, falar na morte do restaurante é prematuro, porque tudo ainda é possível, garantem. No entanto, caso se confirmem os piores prognósticos, a família Silva coloca de parte qualquer alternativa, porque o que está em causa é a memória de uma casa com quase 130 anos, que os valores monetários não conseguem compensar
Os gerentes do restaurante A Democrática nem querem ouvir falar na demolição da casa considerada um dos ex-libris da cidade de Coimbra. Numa noite em que um grupo da Escola de Teatro de Cascais fez questão de viajar até à cidade dos estudantes para representar uma peça naquele restaurante da Baixinha, o sócio-gerente João Silva garantiu ao Diário de Coimbra que caso o edifício tenha de ser destruído para a passagem do eléctrico rápido acaba de vez a histórica da centenária Democrática.
«Não aceito alternativas», sublinhou, minutos depois de ter recebido a visita do administrador da Metro Mondego com quem os responsáveis do restaurante garantem manter uma boa relação, tal como com a Câmara Municipal. Da rápida conversa com José Mariz, João Silva não adiantou muitos pormenores, salientando, todavia, o facto de ainda não haver uma decisão definitiva quanto ao futuro do restaurante. «Não se sabe se vai abaixo. O que interessa é ficar tranquilo», afirmou o comerciante, enquanto, ao fundo, o fado de Coimbra se começava a ouvir.
Para João Silva, o aspecto financeiro não é importante num possível acordo que venha a ser estabelecido. «Para mim não são os valores, são os princípios, porque eu apaixonei-me pela casa de uma maneira...», confessou, com emoção.
E esta paixão da família Silva salta à vista dos clientes habituais ou daqueles que lá entram pela primeira vez. Em 23 anos de Democrática, foi nascendo uma nova família, porque os comerciantes fazem questão de em cada cliente fazer um amigo.
«Olhe este menino [com cerca de 10 anos] conheço-o desde pequenino», exemplificou João Silva, apontando para a mesa onde uma criança jantava com a mãe invisual. E, de ano para ano, a família foi aumentando. Desde turistas que regressam todos os anos, passando por estudantes que voltam à cidade já com filhos e terminando em notáveis, todos aprenderam a ver naquele restaurante uma “marca” de Coimbra.
Património do povo
Entretanto, enquanto os actores de Cascais se preparavam para entrar em cena, não parava de chegar gente. Uns vindos propositadamente para assistir ao “Juiz da Beira”, outros para saborear um bom jantar num ambiente acolhedor, outros ainda para dar simplesmente um abraço a João e Nélson Silva.
A decisão parece estar para breve, mas, para já, os sócios de A Democrática recordam os momentos, as memórias e o trabalho que foi necessário para «relançar» uma casa, que já conta com 129 anos. «É uma recordação... não se pode acabar com isto. É como limpar com a história», concluiu João.
O apelo para que Coimbra não deixe cair A Democrática ouviu-se bem alto por Pêro Marques, o juiz da Beira, que se transformou em juiz de Coimbra. «Que a gente desta cidade tenha toda a liberdade de dizer sua vontade, sabendo a morte desta casa. A Democrática de Coimbra é património do povo. Sou juiz desta cidade».
Foi deste modo que os estudantes da Escola Profissional de Teatro de Cascais se associaram à luta que clama pela preservação do restaurante. Os jovens estiveram em Coimbra fruto do seu próprio entusiasmo depois de escutar das palavras de Carlos Carranca o que se está a passar.
Um dos principais responsáveis pela actividade cultural que tem marcado a diferença naquele estabelecimento é este professor e encenador. Carlos Carranca estranha como A Democrática sobreviveu à ditadura e corre risco de morrer com a democracia. O espectáculo de ontem à noite foi uma espécie de grito de alerta para uma cidade «que deixou destruir a Alta» e vai vendo fechar alguns dos espaços mais emblemáticos, como A Brasileira, a Arcádia ou o Pratas. «Não estamos a exigir nada. Estamos a usar de um direito de nos manifestarmos», frisou, explicando que progresso não se pode desenvolver em alicerces anti-culturais. Por isso, acredita que o «acto de cultura» que foi a apresentação de O Juiz da Beira é um pouco do que se pode fazer para «salvar A Democrática». Porque, esperança é o que não falta na Travessa da Rua Nova.
in Diário de Coimbra