Incêndio de Coimbra com origem criminosa
Conhecedores profundos do local onde deflagrou o incêndio que viria a atingir Coimbra, os Voluntários de Poiares elaboraram um relatório cronológico e geográfico das circunstâncias, apontando para origem criminosa. Um infortúnio no combate inicial e a ausência de meios aéreos nesse período terão permitido a evolução das chamas
Fundamentando-se em registos e documentos operacionais durante o período crítico dos fogos - e no conhecimento técnico e efectivo do terreno - a corporação dos Bombeiros Voluntários de Poiares diz que o fogo que acabaria por ter proporções gigantescas e atingir Coimbra teve origem criminosa.
Num relatório a que o DC teve acesso, os bombeiros esclarecem, primeiro, que se verificou um fogo, pouco depois das 19h00 do dia 19, em Vale de Carvalhal/Póvoa da Abraveia, com origem num tractor, que se incendiou. Dado como extinto às 20h30, teria um reacendimento «brutal» às 13h12 do dia seguinte (20 de Agosto, sábado), avançando para sul, no sentido da Estrada da Beira, com as povoações de Ponte Velha, Covelos e Mata no seu caminho. Auxiliado pelo vento forte, galgou a EN 17, entre os lugares de Ponte Vela e Segade, propagando-se para Pegada, Pousafoles e outros lugares dos concelhos da Lousã e Miranda do Corvo. Totalmente extinto em Poiares, por volta da meia-noite de sábado, continuaria em Lousã e Miranda, onde ficou circunscrito às 3h00 de domingo. Extinto também, teve alguns reacendimentos em Segade (Miranda do Corvo), rapidamente controlados.
Ora, dizem os Bombeiros, este incêndio nada tem relação com o que viria para a cidade de Coimbra, mas sim um outro, que deflagrou posteriormente em Soutelo, a cerca de oito quilómetros do local onde os bombeiros ainda faziam operações de rescaldo (alto de Segade), no domingo. E foi este foco, com «indícios concludentes de fogo criminoso, dado o local, forma e modo como se desenvolveu», que originou a situação mais problemática, sobretudo depois de se ter encontrado com outro incêndio, com origem em S. Frutuoso. Mais: para Jaime Soares, comandante dos Voluntários, «quem ateou os fogos conhece bem a zona e os meios que estavam no terreno», pois o novo foco obrigou à mobilização dos recursos, nomeadamente das viaturas que vigiavam a Serra do Carvalho, «uma vigilância continuada por razões óbvias e que o incendiário tão bem soube controlar».
Também o azar teve uma palavra a dizer na propagação das chamas: «estava o incêndio praticamente extinto quando faltou a água numa das frentes do fogo», gorando o êxito da operação. Para maior lamento, passou nas imediações uma viatura dos Voluntários de Penacova que, todavia, nem Jaime Soares nem outros elementos da corporação de Poiares conseguiram alertar.
Sem resistência, tocado pelo vento, o fogo ganhou velocidade e dimensão, mas com direcções inconstantes, dirigindo-se para as povoações de Terreiros de Santo António, Terreiros e Carvalho. Depois de passar Terreiros, com ventanias sul/sudoeste, avançou perigosamente para Carvalhos, onde se concentraram os meios de combate. Porém, foi impossível evitar que as chamas progredissem e acabassem por galgar o Rio Mondego e a EN-110, propagando-se às matas dos concelhos de Coimbra e de Penacova.
Três novos focos em simultâneo
Entretanto, e a alimentar a tese de crime, os bombeiros asseguram que estava a decorrer o combate a este incêndio quando eclodiram mais três em simultâneo: um na EN-17, junto a S. Frutuoso, outro em Canas e um terceiro em Braços. Deflagraram às 17h10 de domingo por, segundo os bombeiros, acção criminosa. E o de S. Frutuoso, apesar da pouca velocidade de frente devido ao vento norte/sul, foi flanqueado para a direita, em direcção a Ribas (Poiares), mas também para a esquerda, dirigindo-se a Ceira. As “cabeças” dos fogos de S. Frutuoso e de Soutelo encontraram-se às 22h00 de domingo, na povoação de Carvalho.
«De grande brutalidade», acentuam os bombeiros, os fogos separaram as suas frentes, dirigindo-se uma para Coimbra e outra para Poiares, atingindo aqui as povoações de Castro, Pereiros, Algaça, Vale de Carvalhal e Ribas. Em Poiares, foi dado como extinto às 10h00 de segunda-feira, dia 22. Por essa altura, Coimbra apercebia-a a pouco e pouco do que sucedera durante a madrugada, com a Mata de Vale de Canas devorada e o Pinhal de Marrocos “engolido”. As chamas prosseguiam ainda em zonas periféricas, destruindo zonas de Castelo Viegas e de Almalaguês, a caminho de Miranda, que ultrapassaram, chegando a Penela.
O relatório, explicam os Bombeiros de Poiares, pretende contribuir para o esclarecimento de quantos focos existiram, das suas causas, e também para contrariar declarações de «algumas pessoas que deveriam ser mais comedidas, até porque não estão na posse de informações credíveis».
Bombeiros transportam água
Depois de a Comunicação Social ter dado conta da ajuda do exército no transporte de água às populações de Miranda do Corvo, os Bombeiros Voluntários de Poiares felicitam o gesto e a disponibilidade das Forças Armadas, recordando, contudo, que tal é uma das suas funções enquanto elemento da Protecção Civil. Por outro lado, consideram que a notícia «relega para segundo plano quem, gratuitamente, está também a transportar água para Miranda do Corvo», no caso os bombeiros de Poiares, «disponíveis, voluntária e gratuitamente, ao serviço das populações», seja qual for o município.
Caso actuassem à nascença do fogo, diz Jaime Soares
Meios aéreos teriam evitado propagação
Foi um Jaime Soares indignado o que ontem quebrou, em declarações ao DC, o silêncio que vinha mantendo sobre os fogos e posteriores comentários, sobretudo os de teor político, lamentando que se esteja a utilizar vergonhosamente a problemática dos fogos florestais em guerrilhas partidárias. Quem não tem conhecimentos técnicos, quem «não sabe distinguir um eucalipto de um chaparro», deveria estar calado, observa o comandante dos Bombeiros Voluntários de Poiares. Os fogos evitam-se, não se combatem, argumenta, para depois acentuar que, aquando dos combates, os meios têm se ser bem usados. Ao fazer uma salvaguarda de apreço pelo trabalho do comandante António Bernardes, a quem manifesta todo o seu apoio, Jaime Soares diz que as situações vividas no distrito de Coimbra teriam sido evitadas «se os meios aéreos actuassem com a rapidez que se impõe nos fogos nascentes».
Soares lamenta ainda o que designa de «discriminação sectária», pois o Plano Especial de Emergência Distrital, accionado pelo governador civil, é de todos os concelhos do distrito e não apenas de alguns dos que foram afectados. O presidente da Câmara de Poiares garante que nunca foi contactado por Henrique Fernandes a propósito dos incêndios e das necessidades deles decorrentes. «Se falei com ele, foi porque tive a iniciativa», critica. Quanto aos apoios imediatos prometidos em Coimbra pelo Governo - em reunião com autarcas de áreas atingidas, para a qual Jaime Soares não terá sido convidado – o edil de Poiares diz que as câmaras ainda estão à espera. «É tudo um trinta e um de boca», desabafa.
A finalizar, Jaime Soares lamenta as suspeições sobre as aeronaves que participam no combate aos fogos, manifestando solidariedade para «com os pilotos-bombeiros» e recusando qualquer envolvência destes em actos criminosos. Pelo contrário, «arriscam muitas vezes a sua própria vida para salvarem outras», acentuou.
Fonte: Diário de Coimbra
É uma longa notícia, mas descreve como foi a propagação do incêndio. E afinal parece que já há suspeitas de, pelo menos parte dele, ter tido origem criminosa.