http://socrates.com.pt/2008/11/29/final ... enciei-me/(Entrada escrita por uma enfermeira recém-licenciada convidada: )
Finalmente licenciei-me!
Em Enfermagem como sempre quis e sonhei, a felicidade estampa-se no meu rosto e o orgulho cresce cada vez que me chamam Enfermeira.
Porém esta felicidade cedo se desmoronou quando finalmente acordei do sonho e vi a realidade. Sempre tive noção que as coisas para os recém-licenciados como eu não seriam fáceis… O que eu não sabia é que seriam tão difíceis.
Ora a saga começou em Outubro, dia 1 lá fui eu inscrever-me na magnífica Ordem dos Enfermeiros, preencher papéis, pagar e pronto agora é só esperar pela cédula profissional.
Concursos a sair e eu a responder a todos os que apareciam, a esperança crescia cada vez mais. Para além de responder a concursos “públicos” (vim a perceber depois que de públicos têm muito pouco) comecei também a enviar candidaturas espontâneas para variadíssimas instituições privadas de saúde e a todos os anúncios de clínicas privadas que iam aparecendo.
Como o tempo passava e nenhuma novidade havia e como não sou muito de me acomodar, decidi começar a contactar os respectivos Recursos Humanos dos hospitais que tinha concorrido. As respostas além de rebuscadas eram pouco esperançosas, pois nunca ninguém sabia de nada ou quando sabiam era para me dizer que o júri ainda nem sequer tinha pegado nos Currículos. "Bem… como é tanta gente a concorrer é normal demorar, coitadinhos dos júris" - isto foi o que eu na minha inocência pensei. Algum tempo depois, vem-se sempre a saber que começou gente a trabalhar nos ditos hospitais sem a análise dos CV’s estar feita, mas isso agora davam mais outros quinhentos.
Entretanto, saíram listas de classificação de alguns hospitais, de rir é claro pois os recém-licenciados são atirados para o fundo da lista sem qualquer hipótese, visto que este ano os candidatos rondam os 2000 e num hospital normal se contratarem 100 pessoas num ano já é bastante, por isso dá para ver a proporção das coisas. Importa também dizer que existem nos nossos hospitais serviços nos quais enfermeiros doutros serviços fazem o seu horário e depois vão dar uma mãozinha a um serviço que tem horas negativas, quando a obrigação do hospital era contratar mais profissionais para suprimir essas necessidades, mas os senhores administradores devem ter coisas mais interessantes em que gastar os impostos dos contribuintes do que fornecer melhores cuidados de saúde. A título de exemplo, o Hospital de São João no Porto paga horas extraordinárias que davam para contratar 80 enfermeiros e ainda fica a dever outras. Porque razão não contratam? Ainda não percebi.
Bem, voltando ao assunto, hoje é dia 29 de Novembro e após mais de 100 candidaturas espontâneas, resposta a anúncios e a concursos, ainda ninguém me contactou para exercer enfermagem.
Mas vejamos, mesmo que me chamem, se for num hospital público, terei um contrato a termo resolutivo certo de 6 meses com possibilidade de renovação (ou não) a ganhar a módica quantia de 991,31€ de acordo com o índice 114 (para quem não sabe, em enfermagem a carreira é horizontal e vertical, neste momento na vertical não há progressão), mais uns pozinhos mágicos como o subsídio de alimentação e suplementos de turno ( no caso dos turnos nocturnos).
Agora pergunto, isto é um salário justo para alguém que cuida de vidas? Para quem passa horas em pé, para quem pega em doentes (porque comprar um “transfer” para o serviço fica caro), para quem está sujeito a riscos elevados relativamente à sua saúde por lidar com pessoas enfermas, para quem tem a responsabilidade de salvar vidas? Por favor…
Contratos de 6 meses? Rio-me bastante quando apelam ao aumento da natalidade, pois o país está a ficar envelhecido, mas depois apresentam abonos de família na ordem dos 20 euros e contratos de 6 meses que nem para adquirir ou alugar (com segurança financeira) uma casa dá. Das dar o rendimento mínimo garantido a quem não precisa é que é bom, ajudar e dar condições a quem quer trabalhar e produzir para o país é que é uma grande utopia.
Não percebo como querem que um país ande para a frente quando se ajuda muitos que não querem trabalhar e se ignora aqueles que o querem fazer, algo de muito errado se passa.
Dizem que o que custa não é partir, mas sim a decisão de partir. Eu já tomei a minha. Parece que lá por fora precisam de enfermeiros, pagam bem e dão melhores condições.
Na Finlândia, julgo que no ano passado, os enfermeiros despediram-se todos em bloco por situações semelhantes... Mas por lá não é cada um por si, há um verdadeiro espírito de sociedade e sacríficio em prol de algo melhor.